Precipitação

O herói não mais lecionava, a tempo deixara de criar nas raízes da sociedade um futuro menos apocalíptico. Seus genitores não mais existiam, seus amores já haviam passado, filhos não tinha. Os estímulos naquela altura já não mais sustentavam esperanças reais do indivíduo que, aos poucos, afetaria o desempenho do grupo.

Apesar da idade, esse homem nunca se esqueceu do lugar bonito que conheceu ainda menino. Um morro alto. Quando passou por lá viu as nuvens por cima, viu pessoas tão pequenas que desapareciam em sua insignificância. Ar puro, uma gostosa sensação de leveza, o calor que saía da pedra se neutralizava com a brisa refrescante. Era sonhar acordado, ou mesmo, acordar ainda sonhando. Naquele lugar, ele se debruçou sobre a fina membrana, que separa o que vemos do que sentimos. O mais próximo de chegar ao fundo de nossa consciência cósmica.

Guardou os livros na estante e deixou tudo em ordem, preparou um lanche para o caminho e deixou um bilhete: “A quem interessar possa...”. Sem se arrepender e sem culpar, caminhou em busca do paraíso.

Após horas de viagens e caminhadas lá estava ele no topo. Não tão belo como antes, não tão relaxante como fora outrora. Mas a visão daquele ponto era mais representativa naquele instante certamente. Ali se sentou e pensou até dar fome, degustou seu ultimo lanche com um sabor inexplicável, e se limitou novamente a apenas pensar. Refletindo.

O herói sempre soube reconhecer as belezas da vida sem se apegar aos ideais pré-estabelecidos socialmente. Místico, empírico, científico e até ateu. Tudo lhe rendia conhecimento, tentava na vida aprender sem se perder no desespero e sem cair em armadilhas.

Olhou para uma flor prestes a desabrochar, sentiu o vento que trazia novos ares e varria a fumaça, viu o rio que corria. Levantou-se e correu, como quem escolhe o tempo certo, com liberdade, voou.